Agência FAPESP – O primeiro pinguim extinto com evidência de que tinha penas foi encontrado no Peru por um grupo internacional de pesquisadores. A descrição foi publicada na sexta-feira (1º/10) na edição on-line da revista Science.
O fóssil analisado, com idade estimada de 36 milhões de anos, indica um pinguim gigante cujas penas teriam tido tons avermelhados de cinza e marrom, diferentes da configuração de traje a rigor, o branco e preto (ou marrom) dos pinguins atuais. O fóssil foi descoberto por Ali Altamirano, do Museu de História Natural em Lima.
A espécie descrita foi denominada Inkayacu paracasensis, ou “rei da água”. O fóssil analisado é de uma ave com cerca de 1,5 metro, o dobro do tamanho do pinguim-imperador (Aptenodytes forsteri), a maior espécie da família Spheniscidae existente atualmente.
“Até termos encontrado esse fóssil, não havia evidência a respeito das penas e cores e dos formatos das nadadeiras dos pinguins extintos. Temos muitas dúvidas e essa é a nossa primeira chance de começar a respondê-las”, disse Julia Clarke, da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, autora principal do artigo publicado.
O estudo indica que os formatos das nadadeiras e das penas que fazem dos pinguins nadadores tão eficientes evoluíram cedo na história desses animais, enquanto o padrão de cores atual é uma inovação muito mais recente.
Assim como os pinguins atuais e diferentemente de outras aves, as penas das asas do Inkayacu paracasensis eram densamente agrupadas, reunidas umas em cima das outras e resultando em nadadeiras estreitas e duras. As penas no corpo tinham base ampla, que nos pinguins atuais ajuda no deslocamento na água.
As penas de aves obtêm suas cores a partir do tamanho, formato e arranjo de estruturas microscópicas chamadas melanossomos. Os autores da pesquisa compararam estruturas extraídas do fóssil encontrado na Reserva Nacional de Paracas com os de aves vivas de modo a tentar reconstruir as cores do animal extinto.
“Descobertas a respeito das cores de organismos extintos podem revelar pistas para seu comportamento e sua ecologia”, disse Jakob Vinther, da Universidade Yale, outro autor do estudo.
Os cientistas verificaram que os melanossomos do Inkayacu eram mais parecidos com os de outras aves. Nos dos pinguins, essas estruturas são criadas por melanossomos muito maiores do que os da antiga espécie e de outras aves.
O pigmento melanina, contida em melanossomos, dá às penas maior resistência, o que levou os cientistas a estimar que o motivo de os pinguins terem mudado a coloração das penas tenha a ver mais com as demandas hidrodinâmicas de uma vida aquática.
O artigo Fossil Evidence for Evolution of the Shape and Color of Penguin Feathers (doi: 10.1126/science.1193604), de Julia Clarke e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/science.1193604.
Especiais
Genética da leishmania
1/10/2010
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Um novo estudo realizado por um grupo de cientistas brasileiros, com colaboração de colegas de outros países, acaba de trazer um novo avanço para a compreensão dos mecanismos de controle da expressão gênica do parasita causador da leishmaniose.
A expressão gênica é o processo pelo qual a informação hereditária contida em um gene é transcrita no RNA, ou em proteínas, por exemplo. No novo estudo, o grupo investigou as alterações moleculares, bioquímicas e morfológicas observadas em um parasita mutante que teve sua virulência atenuada devido à superexpressão dos chamados miniéxons – ou spliced leader RNA –, curtas sequências de nucleotídeos que são adicionadas aos RNA mensageiros, tornando-os "maduros" e funcionais.
O trabalho foi publicado na edição de outubro do The International Journal of Biochemistry & Cell Biology e faz parte de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e coordenado por Angela Kaysel Cruz, professora do Departamento de Biologia Celular e Molecular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com Angela, o grupo envolvido com o Temático já havia demonstrado anteriormente que a presença de uma quantidade aumentada de transcritos dos miniéxons diminuía a virulência do parasita.
“Desta vez, investigamos como se dá o envolvimento dos miniéxons com a atenuação da virulência que foi observada. Verificamos que a superexpressão dos miniéxons não afeta a multiplicação de promastigotas –a forma infecciosa, flagelada, do parasita –, mas parece impossibilitar a multiplicação dos amastigotas, ou seja, o parasita em sua forma intracelular, que se estabelece no homem e em outros mamíferos”, disse à Agência FAPESP.
A ineficácia do parasita mutante para se multiplicar na forma de amastigotas parece estar relacionada com um esforço do parasita para manter sua homeostase celular – a propriedade da célula de regular seu ambiente interno para manter uma condição estável, por meio de múltiplos ajustes controlados por mecanismos de regulação.
“O esforço do parasita para reverter esse desequilíbrio da homeostase celular parece impedir que os amastigotas se multipliquem como eles fariam naturalmente no interior da célula do hospedeiro vertebrado – isso parece causar a perda de virulência observada”, indicou Angela.
A descoberta é importante porque o mecanismo descrito pode contribuir para elucidar diferentes níveis de controle da expressão gênica dos parasitas. Além disso, a revelação das moléculas envolvidas na atenuação de virulência observada pode representar uma rota para identificação de novos alvos para o desenvolvimento de drogas contra a leishmania.
“O estudo representa mais um passo no caminho que leva à compreensão dos processos de controle de expressão gênica em leishmania. Outro aspecto importante é que a identificação de um ou mais genes diminuídos nesse superexpressor poderá nos ajudar a gerar mutantes que possam ter esses genes desligados. Com isso, talvez possamos gerar um parasita que é incapaz de se multiplicar no meio intracelular”, explicou Angela.
Futura vacina viva
Segundo a professora da FMRP-USP, as pesquisas se voltaram para a questão do desequilíbrio homeostático por essa ser considerada uma peça- chave no processo de expressão gênica.
“Quando a homeostase está desbalanceada, a célula do parasita precisa fazer uma série de processos para se estabelecer intracelularmente – livrando-se de certas proteínas, por exemplo – e não consegue se multiplicar”, disse.
Entender a ligação entre o desequilíbrio da homeostase celular e a atenuação da virulência é fundamental, segundo Angela, para verificar se a atenuação poderá ser utilizada, no futuro, como uma ferramenta para gerar uma vacina viva.
“Acredita-se que as vacinas vivas são a única forma para prevenir leishmaniose, pois as vacinas de subunidades – que usam somente os fragmentos antigênicos de um microrganismo que mais estimulam a resposta imune – não estão se mostrando eficientes”, disse Angela.
“Nada do que foi feito até agora está funcionando, mesmo as experiências mais interessantes com combinação de diversos determinantes antigênicos. Seria interessante se pudéssemos localizar um ou mais genes que atenuem a ação do parasita – impossibilitando que ele se multiplique no hospedeiro”, destacou.
Além de Angela, participaram da elaboração do artigo Juliano Toledo, Tiago Ferreira e Tânia Defina, também da FMRP-USP, Fernando Dossin, atualmente no Centro de Deonças Negligenciadas do Instituto Pasteur Coreia, em Bundang-gu (Coreia do Sul), Sergio Schenkman, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Kenneth Beattie e Douglas Lamont, da Faculdade de Ciências da Vida da Universidade de Dundee (Escócia), e Serge Cloutier e Barbara Papadopoulou, do Centro de Pesquisa em Infectologia da Universidade Laval, em Quebec (Canadá).
O artigo Cell homeostasis in a Leishmania major mutant overexpressing the spliced leader RNA is maintained by an increased proteolytic activity, de Angela Kaysel Cruz e outros, pode ser lido por assinantes da The International Journal of Biochemistry & Cell Biology em https://www.sciencedirect.com/science/journal/0020711X.